A história do “primeiro ser humano a escrever um livro” é complexa, pois depende de como se define “livro” e de quais registros escritos chegaram até nós. No sentido mais amplo, os primeiros textos literários nasceram nas antigas civilizações mesopotâmicas, por volta de 3.000 a.C., com a invenção da escrita cuneiforme. Entre os registros conhecidos, destaca-se a figura de Enheduanna, sacerdotisa acadiana que viveu por volta de 2.300 a.C. e é considerada a primeira autora conhecida da história. Filha do rei Sargão da Acádia, ela escreveu hinos e poemas dedicados à deusa Inanna, unindo devoção religiosa e visão pessoal. Esses textos foram gravados em tabuletas de argila e sobreviveram por milênios, o que lhe garante um lugar único na história da literatura (DALLEY, 1991).

Antes de Enheduanna, outros textos foram escritos, mas sem autoria identificada, como a Epopeia de Gilgamesh, obra mesopotâmica datada de cerca de 2.100 a.C., considerada a narrativa literária mais antiga do mundo. A diferença é que, enquanto a epopeia foi composta por escribas anônimos, as obras de Enheduanna trazem uma voz autoral claramente identificada, revelando não apenas conteúdos religiosos, mas também elementos de subjetividade. Isso é importante porque, ao reconhecer um autor específico, temos não apenas um documento histórico, mas um testemunho pessoal que permite compreender melhor o pensamento e a sensibilidade de uma época (KRAMER, 1963).

O reconhecimento de Enheduanna como primeira autora conhecida tem implicações importantes para os estudos de história e literatura, pois desafia a ideia de que a escrita literária sempre começou de forma coletiva e anônima. Ela mostra que, já nos primórdios da civilização, a criação literária podia ter uma assinatura individual e expressar experiências únicas, ainda que dentro de um contexto religioso e político. Embora a noção moderna de “livro” como objeto encadernado só tenha surgido séculos depois, suas composições em tabuletas podem ser vistas como precursoras diretas da literatura escrita que conhecemos hoje. Isso nos lembra que a arte de escrever não nasceu apenas como registro prático ou administrativo, mas também como forma de expressão humana profunda e duradoura (LEICK, 2003).

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