
Publicado originalmente em folhetins na Revista Brasileira entre março e dezembro de 1880, e em livro no ano seguinte, Memórias Póstumas de Brás Cubas marca o início da fase realista de Machado de Assis e é considerado um divisor de águas na literatura brasileira. Escrito no contexto da monarquia tardia no Brasil, às vésperas da Abolição da Escravidão e em meio a debates intelectuais sobre modernização e identidade nacional, o romance se afasta das convenções românticas e propõe uma narrativa inovadora, conduzida por um narrador defunto. Brás Cubas, já morto, relata suas memórias de forma fragmentada, irônica e sem a preocupação de seguir uma ordem linear, rompendo com o modelo tradicional de romance do século XIX.
A narrativa é marcada pelo uso do humor ácido, da metalinguagem e da quebra da quarta parede, criando um diálogo direto com o leitor. Brás Cubas revisita sua vida privilegiada como membro da elite imperial, expondo, com sarcasmo, as vaidades, hipocrisias e futilidades de sua classe social. Ao abordar seus amores frustrados, sua falta de grandes realizações e sua indiferença diante das desigualdades do Brasil oitocentista, Machado constrói uma crítica sutil e devastadora ao egoísmo e ao imobilismo das elites. O tom não é de confissão arrependida, mas de uma observação cínica, em que o narrador se coloca acima da moral convencional e revela o lado mesquinho das relações humanas.
Mais do que um romance autobiográfico fictício, Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra de experimentação formal e de reflexão filosófica. A presença de referências ao cientificismo da época, como no famoso “Humanitismo” de Quincas Borba, e ao pessimismo schopenhaueriano, revela o diálogo de Machado com as correntes intelectuais europeias. Ao mesmo tempo, a obra mantém um enraizamento profundo na realidade brasileira, explorando a escravidão, o clientelismo político e o atraso social. Sua inovação narrativa e sua ironia atemporal colocam Memórias Póstumas no patamar das grandes obras universais, influenciando escritores brasileiros e estrangeiros e consolidando Machado de Assis como um dos maiores mestres da prosa de língua portuguesa.
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