Criar um personagem é mais do que dar um nome e uma aparência — é dar vida a uma pessoa que nunca existiu. Desde a Antiguidade, escritores têm se preocupado com a construção de figuras fictícias que pareçam reais. Na Grécia do século V a.C., dramaturgos como Sófocles moldavam personagens trágicos com motivações claras e dilemas morais, como Édipo, que buscava a verdade sem perceber que ela o destruiria. Já no século XIX, em plena efervescência política da Europa — marcada por revoluções e mudanças sociais — autores como Charles Dickens criavam figuras como Oliver Twist (1837), que refletiam as injustiças da Revolução Industrial.

Para criar um personagem marcante, o primeiro passo é entender o contexto em que ele vive. Um personagem ambientado no Brasil de 1964, por exemplo, inevitavelmente será afetado pelo golpe militar e pela censura. Isso influencia suas falas, seus medos e até suas escolhas de roupa. Já alguém vivendo na Paris de 1920, em meio à efervescência artística do pós-guerra, provavelmente respirará liberdade, experimentação e modernismo. Assim, pensar na época, no ambiente político e na cultura é essencial.

Outro elemento crucial é a motivação. Pergunte: O que ele quer mais do que tudo? e O que ele teme acima de tudo? Por exemplo, imagine uma personagem chamada Helena, jornalista em 1970, durante o auge da ditadura militar brasileira. Seu objetivo é publicar matérias sobre desaparecidos políticos, mas seu medo é colocar a família em risco. Esse conflito interno cria tensão narrativa e aproxima o leitor.

O passado do personagem também deve ser consistente. Experiências infantis, traumas ou vitórias moldam a forma como ele enxerga o mundo. Um soldado que viveu a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) terá um olhar diferente sobre a vida, possivelmente mais cético ou endurecido, como vemos em Paul Bäumer, protagonista de ‘Nada de Novo no Front’ (1929) de Erich Maria Remarque.

Além disso, é importante cuidar dos detalhes externos: aparência, gestos, fala. Pequenas marcas tornam a figura memorável. Sherlock Holmes, criado por Arthur Conan Doyle em 1887, não seria o mesmo sem seu cachimbo, sua lupa e seu jeito calculista de falar. Esses detalhes não são supérfluos: eles ajudam o leitor a visualizar e lembrar do personagem.

Por fim, a contradição interna é um recurso poderoso. Personagens realistas não são feitos apenas de virtudes ou defeitos, mas de um equilíbrio estranho entre ambos. Pense em um líder político honesto que, para salvar sua cidade, precisa fazer alianças com corruptos. Essas ambiguidades aproximam a ficção da vida real.

Criar um personagem é, portanto, um ato de pesquisa e empatia. É olhar para diferentes épocas, ouvir diferentes vozes e costurar tudo em uma figura única. Ao fazê-lo, o escritor não cria apenas “alguém para a história”, mas alguém que o leitor vai lembrar.

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